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«Agrada-me que este livro não alcance a paz»

Fidelidade, de Marco Missiroli, agora editado pela Gradiva, é um livro que se abre à discussão. Um tema intemporal abordado aqui com um novo olhar. A infidelidade, no sentido que lhe é atribuído habitualmente pela sociedade, tende a ter uma carga negativa forte. O romance Fidelidade constrói uma narrativa que procura pôr de lado os estereótipos e desenvolve o tema centrando-se no indivíduo.  Brevemente, disponibilizado numa série na Netflix.

Marco Missiroli responde aqui a duas questões sobre o livro.

Podemos ter ao mesmo tempo fidelidade (em termos de emoções, desejo de continuar a comprometer-se com o casamento, etc.) e infidelidade (no sentido de ter uma vida paralela «amorosa» que ajuda o indivíduo a sentir-se mais realizado) «caminhando» lado a lado? Ou a infidelidade num relacionamento acaba sempre, a dada altura, por destruir o amor?

Eu denomino-a no romance Fidelidade a ‘outra felicidade’. Pode ter-se uma felicidade no interior do casamento, de uma relação, e pode ter-se uma outra felicidade no interior de um campo individual tendo outras fantasias, outras miras sentimentais, físicas e eróticas. As duas fidelidades podem coexistir, portanto pode flutuar-se de uma parte para a outra; isto pode trazer consigo obviamente um mecanismo de engano quando se vê do ponto de vista exterior como o pretende a sociedade. Mas, do ponto de vista interior psíquico e psicológico, as partes de ambas as felicidades podem coexistir. Isto conduz a uma forma de teatro da alma, de papéis, quase de gestão do mistério e isso está bem. A vida também é isto, é também mistério, é também um sentido de risco que por vezes se encontra preso dentro de nós e outras vezes é libertado. Fidelidade procura fotografar estes fluxos, estes mistérios que são trazidos à luz e depois regressam de novo à escuridão.

Este livro teve grande sucesso internacional. Pode contar-nos um pouco sobre o feedback que teve?

O livro teve muito sucesso em Itália e também no mundo porque toca, em meu entender, num tema que aparentemente já tinha sido abordado muitas vezes, mas que, agora, procurou um novo olhar revolucionário ao conduzir a [questão da] fidelidade e [d]a infidelidade em direcção a nós mesmos e não em direcção ao outro. Inverteu a questão, trouxe um debate ainda mais aberto: é correcto ser-se fiel aos outros sem se ser verdadeiramente fiel a si próprio? Este é o tema. Numa contemporaneidade como a nossa, suscitou debates. Como é que foi acolhido? Com um grande fervor no bom sentido e no mau sentido. É um livro que divide, que conduz à mesma luta dos protagonistas e que perturba por dentro o leitor, quero dizer, de uma forma obscura e quase ínfima e o faz colocar-se diante de questões face às quais com muita frequência não quer ser confrontado; portanto, agrada-me que este livro não alcance a paz, que seja continuamente um livro movediço como o é exactamente a nossa era.

Fotografia do autor (c) Valentina Vasi.