Heloísa Santos, autora de Genética para Todos, fala da importância da genética no combate à pandemia
Heloísa Santos, autora de Genética para Todos, cuja edição revista e aumentada acaba de sair e que inclui um capítulo exclusivamente dedicado à vacinas genéticas, fala da importância da genética nesse campo, dos objectivos do livro e dos riscos a que devemos estar atentos. Aqui em entrevista.
A genética é vista habitualmente como um tema complexo. Este livro pode ajudar a alterar essa ideia?
Tem razão, os explosivos e sempre crescentes novos conceitos em Genética Humana, nomeadamente os respeitantes ao conhecimento e prática na área da Genómica, sendo fascinantes são também bastante complexos e estão sempre “em construção”. Contudo, a enorme influência destes avanços na melhoria da nossa saúde e também na melhor interpretação das doenças, incluindo as infecciosas, torna indispensável que não sejamos totalmente “analfabetos” e que se adquira o suficiente conhecimento para termos capacidade de reflectir sobre estas matérias. O livro Genética para Todos não pretende ser um livro técnico‑científico, mas apenas ser útil aos leitores e ajudá‑los a iniciar esta reflexão. Descreve e comenta a evolução da genética integrada na sociedade e as vantagens e riscos dos novos conhecimentos, incluindo comentários nas vertentes ética e legal. Também, com este objectivo, introduzimos inicialmente conceitos básicos de natureza técnico‑científica e realizámos com os leitores uma longa viagem que se inicia com as Leis mendelianas e que nos leva até os dias de hoje. Aqueles a quem tivermos conseguido abrir o apetite para conhecimentos mais profundos, facilmente, após a ajuda desta ferramenta inicial, poderão passar a navegar sozinhos. E verão que gostam!
Até que ponto é que o conhecimento de que as doenças não são causadas apenas por factores externos/ambientais tem influenciado a percepção que as pessoas têm da genética e da sua importância?
Existem doenças provocadas apenas por alterações genéticas ou cromossómicas, mas são muito raras.
Porém, também nas doenças frequentes e comuns (asma, doenças cardíacas, diabetes, doenças reumatológicas, cancros e tantas outras), além de causas desencadeantes ambientais, relacionadas principalmente com os estilos de vida, existe uma, maior ou menor, predisposição individual relacionada com as características genéticas e as diferentes variações que herdámos da família. Estas variações começam a ser conhecidas e têm grande interesse na definição dos riscos individuais.
Em que medida é que a genética tem estado associada à procura de «soluções» para lidar com a pandemia causada pela Covid‑19?
Os enormes avanços na compreensão das características genómicas do homem e também do vírus SARS‑CoV‑2, causador desta pandemia, e, também, a capacidade de manipular e utilizar artificialmente o material genético, em particular o ARN mensageiro, foram a chave da produção, em tempo recorde, de novas vacinas genéticas. Também a identificação e caracterização das novas variantes do vírus e a posterior interpretação dos seus efeitos, incluindo a avaliação teórica da possível perigosidade e velocidade de contágio, não teria sido possível sem a prévia observação sequencial do genoma viral. A “velha” técnica de reacção em cadeia da polimerase (PCR), que permite ampliar e fazer indefinidamente cópias do genoma do vírus baseia‑se na compreensão e utilização de mecanismos fisiológicos do genoma identificados e depois adaptados pelo Homem também para outros fins como em genética forense.
Do ponto de vista do direito, que temáticas associadas à genética estão hoje em cima da mesa, às quais devemos estar atentos?
Devemos estar atentos à necessidade de melhor regulamentação e fiscalização na protecção dos nossos dados em Bancos e BIG DATA genómicos e ainda à urgente necessidade de adequada regulamentação ético‑legal e científica das novas técnicas de edição do genoma. Há, inclusive, o risco teórico, que deve ser rapidamente acautelado pelo direito internacional e dos Estados, de utilização perversa destas novas tecnologias de edição do genoma e da sua transformação com fins militares ou de terrorismo ou ainda de modificações adversas do ambiente.
Também devemos estar atentos à crescente exploração de populações para retirada obrigatória e sem consentimento de informações genómicas por alguns governos para seu beneficio financeiro (venda a outros governos e a multinacionais farmacêuticas) e práticas eugénicas.
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